Descubra a arquitetura animal de Ernesto Neto

Esculturas de grande formato configuram espaços onde o espectador pode submergir em um extenso mundo sensorial. Trata-se de uma obra que apela aos cinco sentidos e convida o público a explorar seu corpo e sua mente através de um percurso em que o tato, a cor, o cheiro e as diversas formas de habitar constituem a essência da expressão artística. O ponto onde a arte encontra a arquitetura constitui uma plataforma de interação entre os visitantes e a sensibilidade corpórea com o entorno. 

Ernesto Neto é um artista brasileiro nascido na década de 1960 no Rio de Janeiro. Desde muito jovem se interessou pela escultura e, ainda que diga ter passado por momentos de incerteza de seu futuro como artista, sempre se dedicou a fazer o que mais gosta, explorar os sentidos e as diversas experiências que o mundo natural pode dar ao homem por meio da matéria.

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© angs school [Flickr], bajo licencia CC BY-NC-ND 2.0

Quando Ernesto Neto fala de seu trabalho, sempre faz referência à identidade, tentando revelar ao público que este é um processo que se constrói de forma relacionada ao que nos rodeia, a como atuamos e a como nos comportamos frente a determinadas situações. No entanto, também explica como tal subjetividade está igualmente ligada ao estado de espírito. O ser e estar são os verbos que o levaram a questionar-se pela natureza das coisas e dos objetos no estudo das relações. Que influência um objeto tem frente a outro? Nesse sentido, a obra do romeno Constantin Brâncuși serviu como inspiração para seu trabalho, e para entender a interação entre objetos, materiais e demais dinâmicas que se desenvolvem em cada uma de suas obras.

Em algumas de suas primeiras peças, Ernesto Neto trabalhou o equilíbrio de placas metálicas sustentadas por um fio. Ali, cada objeto exercia pressão no outro, o que permitia que o conjunto se mantivesse de pé ao encontrar a estabilidade que lhe permitisse combater a gravidade. Mas logo Neto descobriu que, da tensão presente entre as placas, poderia tirar um proveito "mais doce" - como ele mesmo chama. O dramático de uma relação em tensão sempre foi de seu interesse. Finalmente, esta é uma posição onde os objetos criam um diálogo acertado para manter o equilíbrio. No entanto, mais que a tensão como "elemento brutaliza" - obedecendo às raízes construtivistas brasileiras -, buscava algo que se movesse entre as figuras mais orgânicas, contínuas e amigáveis com as demais. Pretendia construir algo biológico.

© angs school [Flickr], bajo licencia CC BY-NC-ND 2.0

Com diferentes anedotas, o artista brasileiro conta como, em seus períodos de exploração, se interessou por trabalhar com esferas de chumbo. Inicialmente elas lhe serviram para seguir trabalhando com placas metálicas, mas quando descobriu as formas podia alcançar colocando-as em bolsas de tecido encontrou o meio pelo qual sua obra seguiria. Seu complemento chegou mais tarde ao descobrir um encanto pelas especiarias, que também foram postas em bolsas. Era uma exposição de cor, emoção, cheiro, algo muito sensorial que se denotava pouco a pouco no rastro onomatopéico que deixava cada bolsa ao cair. 

© Niels [Flickr], bajo licencia CC BY-SA 2.0

Para Neto, a ação por trás da macha que as especiarias deixavam, o deixar cair, é parte do processo e é o que gera uma identidade do objeto. Então, apesar da obra ser um elemento material, tem por trás de si uma ação artística que complementa a natureza das bolsas. É um acidente no tempo que trata de uma narrativa, da história do elemento e sua relação com os demais objetos. No entanto, quando o foco deste processo se torna vertical e salta, ao invés de permanecer na mancha, é quando Neto, pela primeira vez, pensa em arquitetura. 

As vezes as pessoas tendem a relacionar meu trabalho com arquitetura, ainda que eu ache que não tem nada a ver. Mas, eu queria trabalhar em uma galeria e ali ter meus trabalhos […] Então criamos esse tipo de sonho utópico ou paisagem de fantasia dentro do corpo. 

© angs school [Flickr], bajo licencia CC BY-NC-ND 2.0

Ernesto Neto concebe suas obras como natureza. No entanto, não só como a natureza que se encontra no ambiente, mas também como a natureza do interior de cada indivíduo. Isso porque, para ele, as paisagens que encontramos hoje em dia são extremamente complexas. O homem está acostumado a pensar no natural como algo externo, mas a verdade é que a natureza está, também, no interior de cada pessoa, "está no que se faz, no que se pensa, no que se produz", diz o artista. É por isso que cada obra é entendida como uma fantasia do corpo, pois Neto sempre pensou a arquitetura como algo animal, como uma formulação que se assemelha a um corpo e ao mesmo tempo a um espaço quadrado. "A casa é o corpo, a terra é o corpo", relembra o artista fazendo referência às palavras de Lygia Clark.

© C-Monster [Flickr], bajo licencia CC BY-NC 2.0

A ideia de pensar que a terra é um corpo e não uma paisagem quer dizer que vamos ter uma relação diferente com ela. Formamos parte da terra e devemos pensar em nossa presença em seu interior como se estivéssemos inseridos na floresta.

As peças de Ernesto Neto se adaptam à arquitetura do edifício como órgãos de um corpo. O trabalho entre as telas e o edifício conformam tanto a cobra como sua própria estrutura. É uma simbiose entre a galeria e o objeto exposto, onde o resultado são espaços dramaticamente sensoriais. O minimalismo abstrato acaba permitindo aos visitantes que experimentem um ambiente incomum pelo qual podem caminhar, permanecer e interagir com as demais pessoas.

© angs school [Flickr], bajo licencia CC BY-NC-ND 2.0

São espaços irreais que pairam por diferentes disciplinas: antropologia, arquitetura, biologia, física, sociologia, cinema e literatura, para transformarem-se em esculturas naturais que acolhem a vida e as diversas maneiras de habitar em uma obra de arte. É a forma de sintetizar a ideia de um organismo e de pensar um corpo biológico arquitetonicamente.

Não é a representação de um corpo, é um corpo. É um nu contemporâneo.

© angs school [Flickr], bajo licencia CC BY-NC-ND 2.0
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Sobre este autor
Cita: Jerez, Julián. "Descubra a arquitetura animal de Ernesto Neto" [Descubre la arquitectura animal de Ernesto Neto] 26 Jan 2018. ArchDaily Brasil. (Trad. Daudén, Julia) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/887321/descubra-a-arquitetura-animal-de-ernesto-neto> ISSN 0719-8906

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